21 de fev. de 2010

Sambão e enchente

Para driblar a fase de textos profundos, emocionais e geralmente chatos, vou finalmente escrever sobre uma peripécia que ocorreu há vários anos.

Show do Fundo de Quintal, Olympia, gravação de DVD. Claro, mais do que depressa compramos os ingressos, eu e Vivi Castello.
Na terça-feira do show uma chuva bem forte caiu sobre a terra da garoa. A TV já mostrava congestionamentos, trânsito e Dona Míriam alertava: cuidado hem, lá na Lapa algumas ruas alagam (algumas???)...Comentários que não seguraram nossa empolgação de sair para a balada. Por que não ouvimos a mamãe?
Após alguns momentos daquela velha dúvida "Com que roupa eu vou, pro samba que você me convidou?", saímos lindas, livres e felizes. Estava frio, "modelito" da estação, porém adequado a juventude que emanava de nossos corpos: minissaia, bota de couro preto de salto altíssimo, sobretudo...
Na porta do Olympia, aviso em letras garrafais: POR PROBLEMAS TÉCNICOS NÃO HAVERÁ GRAVAÇÃO DE DVD. Nada de aparecer lindonas no DVD, mas o samba bom estava garantido.
Entramos. Não, não assim com um simples "entramos”... Com a tradicional ENTRADA TRIUNFAL, afinal, éramos eu e Vivi Castello.
O show?
Ah, era "Fundo de Quintal, berço de terreiro de bambas..." Preciso falar mais?
"Quero ver quem vai ficar nessa roda sem sambar”... Nem nós, que não sabemos sambar.
Dançamos, curtimos, pulamos, cantamos; opa! A Vivi cantou, eu só troquei as letras de lugar:
"Lá, no semear da Mangueira, a velha samariqueira, canta o grande rio nãnãnãããã..."
Tradução: "Lá o samba é alta bandeira e até as tamarineiras são da poesia guardiãs". Igualzinho. Ai ai ai.
Para fechar com chave de ouro, nossa música: "A amizade, nem mesmo a força do tempo irá destruir, somos verdade..."
Abraços, emoção, olhares e a certeza de que "valeu por você existir amigo".
O show chegou ao fim. Como diria Jorge Aragão, "Mais um pouco e vai clarear (...) boa noite boa noite, pra quem veio só sambar..."
Saímos e percebemos que a chuva continuava.
Sambão no último volume novamente e tentamos voltar para casa.
Primeira entrada da marginal Tietê interditada: alagamento.
Como amiga Vivi possui um GPS instalado em seu cérebro, foi indicando outras chances de voltarmos para casa. Próxima entrada da marginal: interditada.
E assim continuaram nossas tentativas em vão de ir embora... Grande parte das ruas interditadas pela CET, outra alagadas sem condições de qualquer tentativa de ultrapassar a barreira de água, a não ser que você estivesse de bote.
Várias tentativas...até a grande idéia: melhor parar em algum hotel por aí e passar a noite. Vamos embora amanhã, não dá pra continuar. E não dava mesmo.
Quase entregando os pontos, a última tentativa seria a ponte da Casa Verde. Adivinha? Acesso interditado. A solução era o hotel.
Opa! Um funcionário da CET move a barreira que interditava a tal rua para um caminhão passar...carros foram atrás do caminhão. E eu, tive a brilhante idéia de seguir também, afinal, se o cara da CET estava autorizando nossa passagem, talvez a rua já tivesse em condições de nos receber...madrugada, muito escuro, seguimos.
Tudo tranqüilo, pouca água na rua até que...caramba, o que era aquele rio que eu enxergava da janela de Vivi? A água veio não sei de onde, mas sei exatamente em que lugar ela queria chegar: em cima do nosso carro.
Pense em “muita água”. Pensou? Tinha muito mais.
Era muita água mesmo!
Eu tentei seguir em frente, mas o desespero bateu, afinal parecia que estávamos em um rio.
Solução genial? Subir na calçada.
Era madrugada, aproximadamente uma hora e trinta minutos.
Descemos do carro no meio da água.
No bar do outro lado da rua, o povo nos chamava e observava se conseguiríamos atravessar.
Agora imagine a cena. Duas mocinhas lindas, vestidas para matar, descendo de bota de salto alto no meio de um rio e tentando atravessar a rua.
Conseguimos. Entramos no bar. E dali não saímos até às nove horas da manhã.
A propósito: a água já tinha invadido o bar, mas como era mais alto, só nossos pés ficaram na água. Sim, nossos pezinhos lindos, desde a uma da matina até as nove.
Enfim, sobrevivemos.
Meu pensamento inicial: meu carro estava no meio do alagamento, mas eu e minha amiga estávamos vivas. Dane-se o carro, depois eu conto o prejuízo. Sim, prejuízo, porque o carro não tinha seguro. Não me importei com ele no momento.
Como é de praxe em nossa existência, eu e Vivi procuramos então encontrar o que aquele momento teria de bom. Bom talvez não seja a palavra certa para dizer o que pudemos retirar daquele momento. Interessante, talvez.
No bar mais pessoas chegavam; algumas eram moradoras das casas que ficavam na rua atrás daquela avenida, que tinham saído de casa para não morrerem afogadas lá dentro. Muito mais triste que o nosso caso. Outras, motoristas que tiveram a mesma brilhante idéia que eu de subir na calçada e haviam largado seus automóveis desamparados, perto do meu.
O bar ficou cheio.
Conversa vai, conversa vem, chega uma dupla sertaneja que vinha de um show em sua Kombi branca que também tinha ficado na água.
Diversão garantida. Mesa montada, cadeiras no meio da água e começou a cantoria. Vivi e eu? Sabíamos várias músicas, afinal, eles cantavam moda de viola e nossos avôs favoreceram esta parte da nossa cultura.
Só que por mais disposição, simpatia, boa vontade que tivéssemos, passar horas com os pés na água cansou. Resolvemos ir até o Hotel Ibis, que ficava na próxima esquina. Passaríamos o resto da noite lá.
Adivinha? Lotado. Outros alagados tiveram a mesma idéia que nós.
Tomamos um chocolate quente e só nos restava voltar ao bar.
Durante a noite, alguns guinchos e até o caminhão de bombeiros tentaram atravessar o rio que havia se formado na rua, mas nem eles arriscavam.
Talvez você esteja pensando: por que elas não foram embora?
Como? As ruas próximas a ponte estavam alagadas também. Nenhum automóvel arriscaria vir nos buscar ali. E no meio daquela cena, como largar o carro lá? O cérebro alagou também, não pensávamos mais.
O dia foi clareando e certa hora parecíamos estátuas. Estávamos congeladas, desoladas, uma nem conversava mais com a outra.
Até que desistimos de esperar a água baixar. Fomos embora a pé, deixando o carrinho abandonado. Atravessamos a ponte da Casa Verde, chegamos na Av. Braz Leme e lá, bem mais para frente, pegamos um táxi. Fomos até o metrô e ensopadas chegamos até o Tucuruvi, onde vovô de Viviane foi nos buscar de carro, xingando até nossa terceira geração.
Entrei em casa e meu avô me esperava, tínhamos avisado pelo celular qual era nossa situação, mas sem detalhes para não alardear. Minha mãe quase não pronunciou uma palavra. Acho que o pensamento dela era mais ou menos, “eu avisei, eu avisei”. Liguei para o meu querido irmão, que na época era um exímio motociclista e já tinha saído para trabalhar.
Enquanto esperava a chegada dele, liguei a TV. Notícia no SPTV: “Há cinco anos não chovia tanto em São Paulo.” Várias imagens de muitas ruas alagadas na cidade...”Ei, meu carro!!!”
Sim, o helicóptero filmou meu carrinho lindo no meio do alagamento. Vista de cima, a situação era ainda mais impressionante. A extensão da área alagada em volta dos carros era enorme.
Sentei e chorei.
Mas não antes de tomar um banho quente.
Meu lindo irmãozinho chegou e aventureiro como ele só, convidou-me para ir até o local ver o que se poderia fazer com o carro.
Adivinha? Eu aceitei.
Mais aventura. Se você conhece o André deve imaginar a emoção de ir de moto, na garupa dele até a Ponte da Casa Verde - na cidade completamente alagada.
Se você não conhece o André, posso tentar explicar a aventura: lama? Não era problema para ele. A moto derrapava, eu quase morria do coração, mas ele passava. Áreas da Marginal Tietê alagadas, onde vários motociclistas parados olhavam desolados para a água? O André passava.
E assim cheguei inteira. Milagre.
Chegamos na ponte e observamos a situação. Agora com a luz do dia a coisa parecia pior. Frase-pérola do meu querido irmãozinho: “Ana Paula, como você conseguiu colocar o carro lá?”
Sentei e chorei. Na rua mesmo. Chorei ao ver o carro lá longe, com muita água ao redor. A água ocupava vários quarteirões.
Outras pessoas observavam a cena e diziam ao me ver chorando: “É duro.”
E era mesmo.
Nada como ter a casa alagada, eu bem sabia disso, mas meu problema é meu. E dói em mim.
Fomos até o carro. Sim, enfiei novamente os pés na água.
Ao abrir a porta percebi o estrago: a água tinha invadido o carro. Sentei no banco e fiquei.
Enquanto conversávamos com as pessoas ao redor, eu e meu irmão vimos uma cena que não tem explicação.
Após uma hora naquele local, a água começou a baixar. Muito rápido. Parecia que alguém tinha aberto a tampa do ralo.
E depois de mais uma hora, a rua estava praticamente sem água.
Idéia do irmão: vamos ligar o carro.
Como não adiantava contrariar, deixei ele tentar, torcendo junto com as pessoas ao redor para que funcionasse.
Funcionou.
Só um detalhe: um outro Palio que estava ao lado do meu, bem ao lado, na mesma altura da calçada, não funcionou, tinha entrado água no motor.
Vai entender!
Então fomos embora, eu dirigindo aquele carro alagado e meu querido irmão me seguindo com a moto.
A água ia de um lado para o outro no carpete do carro, o cheiro era horrível e tinha muita sujeira lá dentro.
Mas cheguei em casa. Em casa não. Fui direto para uma oficina que fazia tapeçaria. Lotada de serviço, claro.
Deixei o carrito lá e esperei uma semana para tê-lo de volta, com muito cheiro de cola, porém sequinho.
Contabilizar a situação:
Ganhos? Observar a solidariedade das pessoas e a capacidade do ser humano, talvez mais especificamente do brasileiro, em tentar encontrar o lado bom de toda situação. E ainda levei o cartão no bolso da dupla sertaneja que deve estar fazendo shows por aí, viajando em sua Kombi branca.
Prejuízo? Não tão grande financeiramente. Talvez maior emocional.
Sem exageros, este foi um episódio traumatizante. Choveu mais forte hoje? Meu coração dispara e se estou em casa nem saio de lá.
E nestas horas passa na sua cabeça um bocado de coisas. Eu vi meu carro ser alagado, chorei, tive medo, mas existe muita coisa pior: muita gente morre nestas enchentes por tentar sair do carro tarde demais ou por ser arrastado pela correnteza. E aqueles que vêem suas casas serem invadidas pela água?
Eu passei uma noite na água, mas na outra noite, deitei na minha cama quentinha.
E por isso, agradeço a Deus.

18 de fev. de 2010

Há dias escrevo um texto, "O amor que quero para mim"...e não consigo terminar.
Na faculdade uma noite, um professor disse que jornalista não pode dizer que está sem "inspiração", afinal é formado para escrever. Concordo em partes...porque a inspiração ajuda, mas realmente não é essencial. Escreve-se sem inspiração, sem vontade...mas não um texto com este título.
Não terminar este texto me incomoda. Não compreendo os motivos que são causadores deste bloqueio.
Teorias psicológicas apontariam, talvez, que é uma fuga para não enfrentar os reais desejos...não, nada tão profundo. Já pensei em preguiça também, mas não, não é isso ainda.
Quer saber? Chega de pensar. Quando for possível eu termino de escrever.
Enquanto isso vou buscando um tipo de amor que tenho certeza que quero para mim: o amor próprio - ou a afirmação deste amor - Esse sim, essencial.